Por Roy Porter — Blood and Guts: The Hospital
Talvez pareça estranho enunciar, como primeiríssimo requisito de um hospital, o principio de que ele não deve causar danos.
— Florence Nightingale
O hospital de hoje está para a medicina assim como a catedral está para a religião e o palácio para a monarquia. É o coração da empresa; o local em que a medicina é praticada no que ela tem de mais avançado, especializado, inovador, complexo — e caro! No mundo desenvolvido, os hospitais ficam com a fatia do leão do orçamento de saúde. E são as instituições a respeito das quais se travam as batalhas da politica médica e da economia: os hospitais estão sempre no noticiário.
Mas, embora o hospital de alta tecnologia seja a jóia da coroa, nem sempre foi assim. A principio, a medicina se arranjou inteiramente sem hospitais e, durante muito tempo, eles foram marginalizados — a rigor, muita gente era cética em relação a seu valor.
A Grécia clássica não tinha hospitais. Os doentes podiam visitar santuários de cura, mas essas curas religiosas foram descartadas pelo novo estilo de medicina secular promovido pelos médicos hipocráticos. A Roma imperial, por sua vez, oferecia algumas instalações hospitalares, mas apenas para escravos e soldados. Foi com a era cristã que se começaram a dedicar instituições ao tratamento dos civis enfermos.
E isso não se deu por acaso, pois a santidade e a cura caminham de mãos dadas. Cristo havia realizado milagres de cura, restituindo a visão a cegos e fazendo aleijados andarem, e a caridade era suprema virtude cristã — basta observarmos a parábola do Bom Samaritano. Como expressões da caridade, da compaixão e da assistência cristãs, os ideais da enfermagem e da cura deram impulso à fundação de hospitais. Após a conversão do imperador Constantino, logo no início do século IV, surgiram hospitais como fundações devotas, em geral ligadas a ordens religiosas que se dedicavam a servir a Deus e aos homens.
Durante os séculos medievais, criaram-se milhares deles, através de doações de fiéis e sob a égide de monges, freiras e outros membros de ordens religiosas. Esses hospitais costumavam ter curta duração e, tipicamente, eram modestos, talvez possuindo uma dezena de leitos e dois irmãos encarregados do atendimento, e se organizavam em torno dos ofícios religiosos. Era mais importante garantir que os cristãos morressem em estado de graça, depois de se confessarem e receberem os sacramentos, do que tentar heróicos tratamentos médicos. Embora abrigassem doentes e necessitados, em geral os hospitais não eram centros de medicina especializada: mais se pareciam com asilos, ou seja, lugares que ofereciam refúgio e proteção.
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