terça-feira, 21 de junho de 2011

Por Que Sou Agnóstico? — Parte III

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     Em minha juventude li livros religiosos — livros sobre Deus, sobre a expiação, sobre a salvação através da fé e sobre os outros mundos. Familiarizei-me com os comentaristas — com Adam Clarck, que pensava que a serpente havia seduzido nossa mãe Eva, que era de fato o pai de Caim. Ele também acreditava que os animais, enquanto estavam na arca, tiveram suas naturezas transformadas a ponto de comerem palha juntos e desfrutarem da companhia uns dos outros — com isso prefigurando o milênio abençoado. Li Scott, um teólogo nato, que realmente pensava que a história de Phaetom — sobre os cavalos selvagens cruzando os céus — corroborava a história de Josué sobre o Sol e a Lua terem parado. Então li Henry e Macknight, e descobri que Deus amava tanto o mundo que decidiu amaldiçoar a grande maioria da humanidade. Li Cruden, que fez a grande Concordância, tornando os milagres tão modestos e prováveis quando pôde.

     Lembro-me de que ele explicou o milagre da alimentação dos judeus errantes com codornas, dizendo que mesmo atualmente um imenso número de codornas cruza o Mar Vermelho, e que, quando se ocasionalmente se cansavam, pousavam em navios que afundavam com seu peso.

     O fato de que a explicação era tão improvável quanto o milagre, não fez diferença ao devoto Cruden.

     Há algum tempo li os Institutos de Calvino, um livro que visa produzir, em qualquer mente natural, um considerável respeito pelo Demônio.

     Li as Evidências de Paley e concluí que a evidência da ingenuidade na produção do mal, na criação da dor, era no mínimo, tão boa quando a evidência que tende a demonstrar a presença de inteligência na criação do que denominamos bem.

     O argumento do relógio foi o maior esforço de Paley. Um homem encontra um relógio e, por este ser tão maravilhoso, ele conclui que teve necessariamente um criador. Encontrando o criador do relógio, vê que este é muito mais maravilhoso que o relógio, concluindo então que este também deveria ter sido criado. Então encontra Deus, o criador do homem, o qual é tão mais maravilhoso que o homem não poderia ter tido um criador. Isso é o que os advogados chamam de desvio de petição.

     De acordo com Paley, não pode haver um projeto sem um projetista, mas pode haver um projetista sem um projeto. A maravilha do relógio sugere um relojoeiro, a maravilha do relojoeiro sugere um criador, mas a maravilha deste criador demonstrava que não havia sido criado – que era incausado e eterno.

     Tivemos Edwards, em A Vontade, no qual o reverendo autor demonstra que a necessidade não influi na responsabilidade — e que quando Deus cria um ser humano, e ao mesmo tempo determina e decreta exatamente o que este fará e será, o ser humano é responsável, e Deus, em sua justiça e misericórdia, tem o direito de torturar a alma deste humano eternamente. Mesmo assim Edwards dizia que amava a Deus.

     O fato é que, se você acredita num Deus infinito e também na punição eterna, então precisa admitir que Edwards e Calvino estavam absolutamente certos. Admitindo-se as suas premissas, não há como escapar às suas conclusões. Eles eram infinitamente cruéis, suas premissas infinitamente absurdas, seu Deus infinitamente mau e sua lógica perfeita.

     Ainda assim, tenho bondade e integridade suficientes para dizer que Calvino e Edwards eram ambos insanos.

     Tivemos muita literatura teológica. Havia Jenkyn sobre a Expiação, que demonstrou a sabedoria de um Deus que inventou um modo através do qual o sofrimento inocente poderia justificar os culpados. Tentou demonstrar que as crianças poderiam ser justamente punidas pelos pecados de seus ancestrais e que homens poderiam, se tivessem fé, ser justamente creditados com as virtudes dos outros. Nada poderia ser mais devoto, ortodoxo e idiota. Mas nem toda a nossa teologia era em prosa. Tivemos Milton, com sua milícia celestial, com seu grande e desajeitado Deus, seu orgulhoso e astuto Demônio — suas guerras entre imortais e todas as sublimes absurdidades que a religião imprimiu na mente de homens cegos.

     A teologia ensinada por Milton era estimada pelo coração dos puritanos. Foi aceita pela Nova Inglaterra, envenenando as almas e arruinando as vidas de milhares. Nem o gênio de Shakespeare seria capaz de tornar a teologia de Milton poética. Na literatura mundial não há qualquer coisa mais completamente absurda — salvo os “livros sagrados”.

     Tivemos Pensamentos Noturnos, de Young, e eu supunha que o autor era um indivíduo excepcionalmente e apaixonadamente devoto ao Senhor. Young desejava muito ser um bispo, e para tal fim fez campanha eleitoral junto à esposa do rei. Em outras palavras, ele era um bom e velho hipócrita. Em Pensamentos Noturnos, são raras as linhas genuinamente honestas, naturais. É pretensão do início ao fim — não queria escrever o que sentia, mas o que pensava que deveria sentir.

     Tivemos Curso do Tempo, de Pollock, com seu verme que nunca morre, suas chamas inexauríveis, suas aflições sem fim, seus demônios maliciosos e seu Deus perversamente exultante. Este aterrorizante poema deveria ter sido escrito num manicômio. Nele se encontram todos os gritos, gemidos e guinchos dos maníacos quando rasgam e despedaçam a carne um dos outros. É tão cruel, horrendo e infernal quanto o 32º capítulo de Deuteronômio.

     Todos conhecemos o belo hino que se inicia com esta alegre linha: “Ouve-se das tumbas um som tormentoso”. Para que pudesse ser mais apropriado às crianças. Não há problema em colocar um caixão onde pode ser avistado do berço. Enquanto uma mãe amamenta seu filho, uma sepultura aberta deve estar aos seus pés. Isto tende a tornar o bebê sério, reflexivo, religioso e miserável.

     Deus odeia o riso e despreza a alegria. Sentir-se livre, desatado, irresponsável, alegre; esquecer-se do rigor e da morte; inundar-se com a luz do Sol sem medo da noite; esquecer-se o passado, não criar expectativas quanto ao futuro, nenhum sonho de Deus, céu ou inferno; embriagar-se do presente; ter consciência somente do abraço e beijo do ser amado — tudo isto é pecado contra o Espírito Santo.

     Tivemos também os poemas de Cowper. Cowper era sincero, o oposto de Young. Tinha um olho observador, um coração sensível e um senso artístico. Simpatizava com todos os sofredores — os encarcerados, os escravizados e os desterrados. Amava o belo. Não surpreende que a crença na punição eterna tenha enlouquecido esta amável alma. Não surpreende que as “boas novas” tenham apagado a grande estrela da Esperança, deixando seu coração despedaçado na escuridão do desespero.

     Tivemos muitos volumes de sermões ortodoxos repletos da ira e do terror do julgamento final — sermões concebidos por santos selvagens.

     Tivemos o livro de Mártires, demonstrando que os cristãos por muitos séculos imitaram o Deus ao qual adoravam.

     Tivemos a história de Waldenses — da reforma da Igreja. Tivemos o Progresso de Pilgrim, a Chamada de Baxter, e a Analogia de Butler.

     Para falar no palavreado ocidental, acho que o Bispo Butler encontrou mais cobras do que matou — sugeriu mais dificuldades que explicações, mais dúvidas que respostas.

     Minha juventude passou-se em meio a estes livros. Todas as sementes do cristianismo — da superstição — foram semeadas e cultivadas em minha mente com grande diligência e esmero.

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Por Que Sou Agnóstico? — Parte IV

Por Que Sou Agnóstico? — Parte II

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