quarta-feira, 22 de junho de 2011

Por Que Sou Agnóstico? — Parte X

GodCreates-Man-Sistine-Chapel

     Se este Deus existe, deve ser uma pessoa, um ser consciente. Quem é capaz de imaginar uma personalidade infinita? Este Deus deve possuir força, e não somos capazes de conceber força separadamente da matéria. Este Deus deve ser material. Deve possuir meios através dos quais transforma força no que denominamos pensamento. Quando pensa, usa força, e esta força precisa ser restituída. Ainda assim, nos dizem que ele é infinitamente sábio. Se for, então ele não pensa. O pensamento é uma escada, um processo pelo qual chegamos a uma conclusão. Aquele que já conhece tudo, não pensa. Não pode ter esperanças ou temores. O conhecimento perfeito exclui a paixão, a emoção. Se Deus é infinito, não tem desejos, pois já possui tudo, e quem não deseja, não age. O infinito jaz na serenidade eterna.

     Conceber tal ser é tão impraticável quanto imaginar um triângulo quadrado ou um círculo sem diâmetro.

     Ainda assim nos dizem que temos o dever de amar a Deus. Podemos amar o desconhecido, o inconcebível? É possível que o amor surja por obrigação? É nosso dever agir com justeza, com honestidade, mas amar não pode ser imposto como dever. É impossível obrigar alguém a admirar um quadro, a encantar-se com um poema ou a emocionar-se com uma música. A admiração não pode ser controlada. O amor e o gosto não estão sujeitos à vontade. O amor é necessariamente livre, surge do coração como o perfume de uma flor.

     Há incontáveis anos os homens e as mulheres vêm tentando amar os deuses, tentando abrandar seus corações e conseguir sua ajuda.

     Vejo-os todos, o panorama desfila ante meus olhos. Vejo-os com as mãos estendidas e os olhos reverentemente fechados em adoração ao Sol. Vejo-os curvando-se diante de meteoritos por medo; suplicando a serpentes, bestas e árvores sagradas; rezando para ídolos esculpidos em madeira e pedra. Vejo-os erigindo altares para poderes invisíveis e manchando-os com o sangue de crianças e animais. Vejo incontáveis padres e ouço seus cantos solenes. Vejo as vítimas moribundas, os altares fumegantes, os incensários pendulantes e as nuvens elevando-se. Vejo homens semideuses — os desafortunados Cristos de muitas terras. Vejo acontecimentos triviais do dia-a-dia se transformando em milagres ao serem passados de boca a boca. Vejo os profetas insanos lendo o livro secreto do destino através de sinais e sonhos. Vejo-os todos. Os assírios cantando as preces de Assur e Ishtar; os hindus adorando Brahma, Vishnu e Draupadi; os caldeus fazendo sacrifícios a Bel e Rea; os egípcios curvando-se a Ptah, Osíris e Ísis; os medos aplacando a tempestade e adorando o fogo; os babilônios suplicando a Bel e Merodach. Vejo-os todos ao redor do Eufrates, do Tigre, do Ganges e do Nilo. Vejo os gregos construindo templos para Zeus, Netuno e Vênus. Vejo os romanos ajoelhando-se a uma centena de deuses. Vejo outros rejeitando ídolos e devotando suas expectativas e seus medos a uma vaga imagem mental. Vejo as multidões boquiabertas aceitando mitos e fábulas de anos remotos como sendo verdades. Vejo-os dar seu trabalho, sua riqueza, para vestir padres, para construir igrejas com tetos ornamentados, corredores espaçosos e abóbadas reluzentes. Vejo-os trajando farrapos, amontoados em tocas e barracas, devorando cascas e migalhas, para que assim possam fazer mais doações a fantasmas e deuses. Vejo-os criar doutrinas cruéis e disseminar o ódio, a guerra e a morte pelo mundo. Vejo-os com as faces empoeiradas nos negros dias de peste e morte, quando as faces estão pálidas e os lábios lívidos pela falta de pão. Ouço suas orações, seus gemidos, seus suspiros. Vejo-os beijar lábios frios enquanto suas lágrimas cálidas caem sobre as faces dos falecidos. Vejo nações malograrem e desvanecerem; vejo-as sendo capturadas e escravizadas. Vejo altares abandonados ruírem; vejo templos lentamente se desfazerem em pó. Vejo seus deuses envelhecendo, adoecendo, morrendo e sendo esquecidos. Vejo-os caindo de seus tronos imaginários, desamparados e inertes; seus adoradores não recebem amparo. Vejo a injustiça triunfar; trabalhadores remunerados com chibatadas; bebês comercializados; inocentes executados em patíbulos; heróis reduzidos a cinzas. Vejo terremotos destruidores, vulcões abrasadores, ciclones famintos, inundações arrasadoras e relâmpagos letais.

     As nações sucumbiram. Os deuses estão mortos. O trabalho e a riqueza perderam-se. Os templos foram construídos em vão. Todas as bocas pereceram sem resposta às suas súplicas.

     Então me perguntei: existe um poder sobrenatural, uma mente arbitrária, um Deus entronado, uma vontade suprema que maneja os cordéis do mundo, que comanda tudo, à qual subordinam-se todas as causas?

     Não nego, pois não sei — mas também não acredito. Creio que o natural é o supremo; que na infinita cadeia de eventos, nenhum elo pode ser quebrado ou perdido; que não há poderes sobrenaturais que possam responder às orações; que não há qualquer poder que a adoração possa persuadir ou mudar; que não há qualquer força que se importa com o homem.

     Acredito que a Natureza envolve tudo com seus braços onipresentes; que não há interferências; nenhum acaso; que por detrás de cada evento há um sem-número de causas inexoráveis; que em decorrência de cada evento, inevitavelmente haverá incontáveis efeitos.

     Cabe ao homem proteger-se. Ele não pode depender do sobrenatural — de um pai imaginário nos céus. Deve proteger-se através da investigação dos fatos da Natureza, através do desenvolvimento de seu intelecto, para com isso sobrepujar seus obstáculos e tirar proveito das forças da Natureza.

     Deus existe?

     Eu não sei.

     O homem é imortal?

     Eu não sei.

     Mas de uma coisa eu sei: nem a expectativa, nem o medo, nem a crença, nem a negação podem mudar algo. As coisas são como são; serão como devem ser.

     Aguardamos e temos esperanças.

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Por Que Sou Agnóstico? — Parte XI

Por Que Sou Agnóstico? — Parte IX

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