quarta-feira, 22 de junho de 2011

Por Que Sou Agnóstico? — Parte VI

ingersoll

     Até o momento não havia lido nada contra nossa abençoada religião, salvo o que tinha encontrado em Burns, Byron e Shelley. Por acaso, acabei lendo Volney, o qual demonstra que todas religiões foram e são estabelecidas de modo idêntico: todas tiveram seus Cristos, seus apóstolos, seus milagres e seus livros sagrados; e então pergunta como se poderia decidir qual delas é a verdadeira — uma pergunta que ainda aguarda por resposta.

     Li Gibbon, o maior dos historiadores, que dominava seus fatos com tanta maestria quanto César dominava as suas legiões. Aprendi que cristianismo é apenas outro nome para paganismo — para a antiga religião, despojada de sua beleza; aprendi que alguns absurdos foram trocados por outros, que alguns deuses foram mortos, que uma multidão de demônios foi criada e que o inferno foi aumentado.

     E então li A Era da Razão, de Thomas Paine. Permitam-me dizer uma palavra sobre este sublime homem difamado. Ele veio a este país1 logo antes da Revolução; trouxe uma carta de apresentação de Benjamin Franklin, naquela época o maior dos americanos.

     Na Filadélfia, Paine foi contratado como redator da Pennsylvania Magazine. Sabemos que escreveu pelo menos cinco artigos. O primeiro era contra a escravidão; o segundo era contra a contenda; o terceiro era sobre o tratamento de prisioneiros — demonstrando que o objetivo deveria ser reformá-los, não puni-los nem degradá-los; o quarto era sobre os direitos das mulheres; o quinto era em favor da formação de entidades voltadas à prevenção de crueldades contra crianças e animais.

     A partir disso pode-se perceber que ele sugeriu as grandes reformas de nosso século.

     A verdade é que este homem trabalhou toda a sua vida pelo bem de seus semelhantes; moveu mais esforços para fundar a Grande República que qualquer outro homem sob a nossa bandeira.

     Apresentou seus pensamentos sobre religião — sobre as Sagradas Escrituras, sobre as superstições de seu tempo. Era perfeitamente sincero, e tudo que disse era bondoso e justo.

     A Idade da Razão encheu de ódio os corações daqueles que amavam seus inimigos; o ocupante de todo púlpito ortodoxo tornou-se, e ainda é, um ferrenho detrator de Thomas Paine.

     Ninguém respondeu — nem irá responder — suas objeções à Bíblia, seus argumentos contra o dogma da inspiração.

     Ele não se insurgiu contra todas as superstições de seu tempo. Apesar de odiar Jeová, louvava o Deus da Natureza, o criador e preservador de tudo. Mas nisto estava equivocado, pois, como Watson disse em sua resposta a Paine, o Deus da Natureza é tão insensível e cruel quanto o Deus da Bíblia.

     Todavia, Paine foi um dos pioneiros, um dos titãs, um dos heróis que, de bom grado, dedicaram suas vidas inteiras, cada ato, cada pensamento, à civilização e à emancipação da humanidade.

     Li Voltaire, o maior homem de seu século, o qual fez mais pela liberdade de pensamento e de expressão que quaisquer outros seres humanos ou “divinos”. Voltaire, que despedaçou a máscara da hipocrisia, encontrando por detrás do sorriso a carantonha do ódio. Voltaire, que combateu a selvageria da lei, as decisões cruéis de cortes venais; que resgatou vítimas de rodas2 e ecúleos.3 Voltaire, que travou guerra contra a tirania dos tronos, a ganância e a perversidade do poder. Voltaire, cujo intelecto arremessou setas farpadas e envenenadas contra os padres; que fez os devotos hipócritas, que o condenaram publicamente, rirem de si mesmos por dentro. Voltaire, que tomou o partido dos oprimidos, resgatou os desafortunados, defendeu os humildes e os fracos, civilizou juízes, revogou leis e aboliu a tortura em sua terra natal.

     Em todas direções, este homem incansável combateu o absurdo, o milagroso, o sobrenatural, o idiota, o injusto. Não tinha reverência à ascendência. Não se intimidava ante o esplendor e a pompa, ante o crime coroado, ante a afetação mitrada. Sob a coroa viu um criminoso; sob a mitra, um hipócrita.

     Como sentença de sua consciência, de sua razão, pronunciou seu julgamento contra toda a barbárie de seu tempo — um julgamento que vem sendo corroborado pelo mundo inteligente. Voltaire acendeu a tocha e passou aos outros a chama sagrada — cuja luz ainda brilha, e continuará brilhando enquanto o homem amar a liberdade e buscar a verdade.

     Li Zenão, o homem que, séculos antes do nascimento de Cristo, disse que os homens não têm direito de posse sobre seus semelhantes: “Não importa se você reivindica a posse de um escravo por compra ou captura, é um pretexto injusto. Aqueles que alegam direitos de posse sobre seus semelhantes, estão fitando a mina e esquecendo-se de que a justiça deveria governar o mundo”.

     Familiarizei-me com Epicuro, que ensinava a religião da utilidade, da temperança, da coragem e da sabedoria, e que disse: “Por que temer a morte? Enquanto eu sou, a morte não é; e, quando ela for, eu já não serei. Por que deveria temer o que não pode ser enquanto sou?”.

     Li sobre Sócrates, o qual, na ocasião do julgamento que decidiria o destino de sua vida, disse a seus juízes, entre outras coisas, estas magníficas palavras: “Não faço outra coisa a não ser convencer-vos, jovens e velhos, de que não deveis vos preocupar nem com o corpo, nem com as riquezas, nem com qualquer outra coisa antes e mais que com a alma, a fim de que ela se torne excelente e muito virtuosa”.

     Então li sobre Diógenes, o filósofo que odiava a superfluidade, o inimigo do desperdício e da ganância. Este um dia entrou no templo, aproximou-se respeitosamente do altar, esmagou um pilho entre seus dedos, e disse solenemente: “O sacrifício de Diógenes a todos os Deuses”. Isto parodiou a adoração de todo o mundo, escarneceu todas as crenças, condensou toda a essência da religião num único ato.

     Diógenes devia conhecer esta passagem “inspirada”: “sem derramamento de sangue, não há remissão”.4

     Comparei Zenão, Epicuro e Sócrates — três pagãos difamados que nunca chegaram a conhecer o Velho Testamento ou os Dez Mandamentos — com Abraão, Isaac e Jacó — os três favoritos de Jeová —, e fui depravado o suficiente para considerar os pagãos superiores aos patriarcas — e também ao próprio Jeová.

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1 : Robert G. Ingersoll foi um livre-pensador americano do século XIX, ou seja, está referindo-se aos Estados Unidos.

2 : Suplício que consistia em amarrar alguém numa espécie de cruz em forma de X, quebrar-lhe os membros com uma maça e, em seguida, atar-lhe o corpo a uma roda, que se fazia girar. (Dic. Aurélio)

3 : Cavalo de madeira, no qual se torturavam os acusados ou condenados; ecúleo. (Dic. Aurélio)

4 : Cf. Hebreus 9:22 e Levítico 17:11.

Por Que Sou Agnóstico? — Parte VII

Por Que Sou Agnóstico? — Parte V

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