quarta-feira, 22 de junho de 2011

Por Que Sou Agnóstico? — Parte IX

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     Então dei outro passo. Perguntei: que é a matéria, a substância? Pode ser destruída, aniquilada? Será possível conceber a destruição do menor átomo de substância? Um sólido pode ser triturado até virar pó, pode ser transformado em líquido, o líquido pode ser transformado em gás — mas tudo continua existindo. Nada é perdido, nada é destruído.

     Deixe que um Deus infinito — se é que existe — ataque um grão de areia com seu infinito poder. Ele não poderá destruí-lo. A substância desafia toda a força, é indestrutível.

     Então dei mais um passo.

     Se a matéria é indestrutível, se não pode ser aniquilada, então não pode ter sido criada.

     Tudo que é indestrutível também é necessariamente incriável.

     Então perguntei: que é força? Não podemos conceber a criação ou a destruição da força. Ela pode ser convertida de uma forma para outra — de mecânica para calórica —, mas não pode ser destruída, não pode ser aniquilada.

     Se a força não pode ser destruída, não pode ter sido criada. Portanto, é eterna.

     Outra coisa: a matéria não pode existir à parte da força; a força não pode existir à parte da matéria. A matéria não poderia ter existido antes da força; a força não poderia ter existido antes da matéria. Matéria e força só podem ser concebidas em conjunto. Isso tem sido demonstrado por vários cientistas, mas mais contundentemente por Buchner.

     O pensamento é uma forma de força, conseqüentemente não pode ter causado ou criado a matéria. A inteligência é uma forma de força, por isso não pode ter existido sem ou à parte da matéria. Sem substância não pode haver uma mente, nem vontade, nem qualquer espécie de força; não poderia ter existido substância sem força.

     A matéria e a força não foram criadas. Existiram desde a eternidade. São indestrutíveis.

     Não houve, não há um criador. Então veio a questão: Existe um Deus? Existe um ser infinitamente inteligente, bondoso e poderoso que governa o mundo?

     Pode haver bondade sem muita inteligência, mas parece-me que a inteligência perfeita e a bondade perfeita precisam existir necessariamente em conjunto.

     Na natureza coexistem — pelo menos ao meu ver — bem e mal, inteligência e ignorância, bondade e crueldade, dedicação e desprezo, economia e desperdício. Vejo meios que não cumprem seus fins; desígnios que parecem malograr.

     Parece-me infinitamente cruel que a vida alimente-se da vida — criar animais que devoram outros animais.

     Enchem-me de horror os dentes, os bicos, as garras e as presas que rasgam e dilaceram. O que pode ser mais apavorante que um mundo em guerra? Em cada folha, um campo de batalha; em cada flor, um gólgota; em cada gota de água, perseguição, captura e morte. Em cada sombra, vida à espreita de vida. Em cada folha de grama, algo que mata e algo que sofre. Em todo lugar, o forte vivendo às custas do fraco, o superior vivendo às custas do inferior. Em todo lugar, o fraco, o insignificante vivendo às custas do forte, o inferior às custas do superior, o mais elevado servindo de alimento ao mais baixo — o homem sendo sacrificado em nome de micróbios.

     Morticínio universal. Em todo local, dor, enfermidade e morte. Morte esta que não aguarda por cabelos grisalhos, mas abraça bebês e jovens felizes; morte esta que separa a mãe de sua criança frágil e indefesa; morte esta que preenche o mundo com dor e lágrimas.

     Como o cristão ortodoxo pode explicar tais coisas?

     Sei que a vida é boa. Lembro-me da luz do Sol e da chuva. Mas então penso nos terremotos e nas inundações. Não esqueço da saúde e da colheita, do lar e do amor, mas o que dizer da pestilência e da fome? Não consigo harmonizar todas essas contradições, essa mescla de bênçãos e agonias, com a existência de um Deus infinitamente bondoso, sábio e poderoso.

     O teólogo diz que o chamado mal existe para nosso bem; que fomos colocados neste mundo de pecado e arrependimento para que com isso desenvolvêssemos o caráter. Se isso é verdade, então por que crianças morrem? Milhões e milhões morrem nos braços de suas mães após uns poucos suspiros. Eles nem chegam a ter chance de desenvolver seu caráter.

     O teólogo diz que serpentes receberam presas para protegerem-se de seus inimigos. Mas por que o mesmo Deus que as fez também fez seus inimigos? Por que muitas espécies de serpentes não têm presas?

     O teólogo diz que Deus encouraçou o hipopótamo, que cobriu seu corpo — exceto na região inferior — com placas e escamas que outros animais não podiam perfurar com dentes ou presas. Mas este mesmo Deus fez os rinocerontes e dotou-os de um chifre no nariz, com o qual estripam o hipopótamo.

     Este mesmo Deus fez a águia, o urubu, o falcão e as suas vítimas indefesas.

     Para cada desígnio positivo parece haver outro negativo.

     Se Deus criou o homem, se é o pai de todos nós, então por que fez os criminosos, os loucos, os deformados e os débeis mentais?

     Os homens inferiores deveriam agradecer a Deus? A mãe que embala em seu seio uma criança com retardamento mental deveria agradecer a Deus? Um indivíduo escravizado deveria agradecer a Deus?

     O teólogo diz que Deus governa os ventos, as chuvas e os raios. Então o que dizer dos ciclones, das inundações, das secas e dos fulgurantes relâmpagos que matam?

     Suponhamos que existisse um homem neste país que pudesse controlar os ventos, as chuvas e os raios. Suponhamos que houvéssemos elegido-o para governar tais coisas, e que ele tivesse permitido que estados inteiros secassem e definhassem ao mesmo tempo em que desperdiçava água com chuvas no oceano. Suponhamos que permitisse que ventanias destruíssem cidades e transformassem milhares de corpos de homens e mulheres em rubros despojos amórficos; que permitisse que relâmpagos ceifassem a vida de mães e bebês. O que diríamos? O que pensaríamos deste selvagem?

     Ainda assim, de acordo com os teólogos, este fado representa exatamente a vontade Deus.

     O que pensaríamos de um homem que decide não proteger seus amigos quando possui plenos poderes para fazê-lo? Por que o Deus cristão permitiu que seus inimigos torturassem e incinerassem seus amigos, seus adoradores?

     Quem é suficientemente ingênuo para pretender explicar tais coisas?

     Faz sentido que um homem infinitamente bondoso e infinitamente poderoso permita que inocentes sejam encarcerados, acorrentados em calabouços e vejam suas vidas passarem por entre suspiros cansados e paredes úmidas?

     Se Deus governa o mundo, por que a inocência não é um escudo perfeito? Por que a injustiça triunfa?

     Quem pode responder a essas perguntas?

     A única resposta digna de um homem inteligente e honesto é esta: eu não sei.

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Por Que Sou Agnóstico? — Parte X

Por Que Sou Agnóstico? — Parte VIII

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