terça-feira, 21 de junho de 2011

Por Que Sou Agnóstico? — Parte V

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     Visto que passei minha juventude lendo livros sobre religião — sobre o “renascer”, sobre a desobediência dos nossos primeiros pais, sobre a expiação, a salvação através da fé, a perversidade do prazer, as degradantes conseqüências do amor, a impossibilidade de se alcançar o céu através da honestidade e da generosidade —, e tendo me tornado relativamente enfastiado de pensamentos embotados e confusos, então se pode imaginar minha surpresa, meu encanto ao ler os poemas de Robert Burns.

     Estava familiarizado com escritos de devotos hipócritas, de fanáticos insensíveis, de puritanos sem coração. Mas aqui estava um homem honesto por natureza. Conhecia as obras daqueles que consideravam toda a natureza depravada e viam o amor como a herança e o eterno testemunho do pecado original. Mas aqui estava um homem que tirava alegria do lodo, que transformava camponesas em deuses e entronava os homens honestos. Um indivíduo cuja simpatia, com braços amorosos, abraçava todas as formas de vida sofredora; que odiava toda espécie de escravidão; que era tão natural quanto o azul do céu; que possuía um humor tão aprazível quanto um dia de outono; cuja inteligência era tão afiada quanto a lança de Ituriel¹ e cujo desprezo era tão devastador quanto o sopro do simum.² Um homem que amava este mundo, esta vida, as coisas do dia-a-dia, e que colocava acima de tudo o êxtase do amor humano.

     Li e reli, com arrebatamento, lágrimas e sorrisos, sentindo que por entre aquelas linhas pulsava um grandioso coração.

     Os poetas religiosos, lúgubres, artificiais e espirituais foram esquecidos ou permaneceram apenas como fragmentos, tênues lembranças dos horrores de monstruosos sonhos distorcidos.

     Finalmente havia encontrado um homem natural, que desprezava o credo cruel de sua pátria, que era corajoso e sensível o suficiente para dizer: “Todas as religiões são velhas fábulas; um homem honesto não tem nada a temer, nem neste mundo, nem em outros”.

     Um homem que teve gênio para escrever a Prece de São Willie, um poema que crucificou o calvinismo e trespassou seu árido coração com a lança do bom senso, um poema que transformou toda crença ortodoxa em objeto de desprezo e infinito escárnio.

     Burns tinha seus defeitos, suas fragilidades. Era intensamente humano. Ainda assim, eu preferiria aparecer bêbado na “Cadeira do Julgamento” e dizer que era o autor de “Homens são homens por isto”, que estar perfeitamente sóbrio e admitir que havia vivido e morrido como um presbiteriano escocês.

     Li Cain de Byron, no qual, como em Paraíso Perdido, o Demônio parece ser o melhor deus — li suas maravilhosas, sublimes e pungentes linhas; li seu Prisioneiro de Chillon — seu melhor —, um poema que encheu meu coração de ternura, de piedade e de ódio ferrenho à tirania.

     Li Rainha Mab de Shelley, um poema repleto de beleza, coragem, reflexão, benevolência, lágrimas e desprezo, no qual uma alma corajosa derruba as paredes da prisão e inunda celas com luz. Li A uma Cotovia, uma chama alada, apaixonada como sangue, terna como uma lágrima, pura como a luz.

     Li Keats, “cujo nome estava escrito em água”; li As vésperas de santa Inês, uma história contada com uma arte tão espontânea que este pobre mundo trivial transforma-se num mundo encantado; Ode a uma urna grega, que preenche a alma com um amor eternamente sequioso, com todo o arrebatamento da canção imaginada; Ode a um Rouxinol, uma melodia que encerra a memória da manhã, uma melodia que se desvanece num ocaso entre lágrimas, assaltando os sentidos com sua perfeição.

     Então li Shakespeare, as peças, os sonetos, os poemas — li tudo. Contemplei um novo céu e uma nova Terra; Shakespeare, que conhecia a mente o coração do homem — as esperanças e os medos, os amores e os ódios, os vícios e as virtudes da raça humana —, cuja imaginação leu os registros borrados por lágrimas, leu as páginas ensangüentadas de todo o passado e viu que o brilho da esperança e do amor estava ausente; Shakespeare, que sondou cada profundeza — enquanto estava no mais alto pico, suas asas lançavam suas sombras.

     Comparei as peças de Shakespeare com os livros “inspirados” — Romeu e Julieta com Cântico dos Cânticos, Rei Lear com Jó, e Sonetos com Salmos —, e concluí que Jeová não dominava a arte da oratória. Comparei as mulheres de Shakespeare — suas mulheres perfeitas — com as mulheres da Bíblia. Percebi que Jeová não era um escultor, não era um pintor — não era artista; carecia do poder que transforma o barro em carne; carecia da arte, do toque plástico que gera a forma impecável, do sopro que proporciona a vida livre e alegre, do gênio que dá luz à perfeição.

     Os livros sagrados de todo o mundo são porcarias inúteis e pedregulhos toscos em comparação com o ouro faiscante e as gemas reluzentes de Shakespeare.

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Por Que Sou Agnóstico? — Parte VI

Por Que Sou Agnóstico? — Parte IV

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